Saúde pública sofre com insegurança das regras.
O plano de produzir extrato de andiroba da Amazônia como potente antialérgico e anti-inflamatório, mais barato e sem os efeitos colaterais dos medicamentos tradicionais, tinha tudo para obter êxito no mercado. A patente havia sido depositada e o contrato de transferência de tecnologia entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a empresa Biolab já estava pronto. Mas acabou engavetado, após anos de investimento e desenvolvimento de inovação, porque o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) exigiu a informação sobre qual comunidade detém o conhecimento tradicional sobre uso da planta, visando a repartição dos benefícios com a venda do produto.
"Como ninguém descobriu o beneficiário, não tivemos autorização para produzir e agora qualquer um pode retirar andiroba da floresta venezuelana ou boliviana para beneficiar lá fora e vender para o Brasil", lamenta o diretor da empresa, Márcio Falci.
"É tempo e dinheiro indo para o ralo", afirma o executivo, lembrando que atualmente 90% dos fitoterápicos vendidos no Brasil são importados. Diante dessa realidade, após ter assinado o Protocolo de Nagoya, "o Brasil acabará pagando royalties pelo uso da biodiversidade, em vez de ser beneficiado pela riqueza de recursos que possui", comenta Falci. Entre os produtos da biodiversidade que a empresa desenvolve está o filtro solar à base de buriti - palmeira nativa do Norte e Nordeste. Com fator de proteção 100 e maior durabilidade que os convencionais, a novidade foi alvo de recente multa aplicada pelo Ibama por problemas com a autorização de uso do recurso genético.
"É lamentável uma área tão estratégica para o país ter uma legislação difícil de ser implementada", afirma Celeste Emerick, da Coordenação de Gestão Tecnológica da Fiocruz, ex-participante do CGEN. Ela adverte: "Tudo o que os brasileiros publicam em inovação neste campo está sendo incorporado pelos países ricos". Em sua análise, internamente no Brasil a tendência é o redirecionamento dos investimentos em biodiversidade, com impactos negativos para a saúde pública.
A Fiocruz, maior instituição brasileira de pesquisa no setor, tem orçamento de R$ 2,3 bilhões para 2011, 60% superior ao do ano passado. Ao longo dos últimos anos, construiu sedes em diferentes regiões do país e produz anualmente 630 milhões de comprimidos e doses de vacina. No entanto, a instituição tem hoje apenas cinco licenças para transferência de tecnologia em vigor.
"A melhoria das regras de acesso ao patrimônio genético, com menos burocracia, contribuiria para aumentar esses números", ressalta Celeste. A estratégia da instituição é pesquisar potenciais plantas de uso medicinal, desenvolver tecnologia para a sua transformação em novos produtos e transferi-la para o mercado, gerando benefícios principalmente para o controle de doenças tropicais, nem sempre atendidas pelos laboratórios farmacêuticos multinacionais. "O objetivo é alcançar produtos que viabilizem políticas públicas em saúde", explica Celeste.
Exemplo recente é a pastilha produzida a partir de bactérias da biodiversidade brasileira, capaz de se desintegrar na água e agir eficientemente por 25 dias nos reservatórios, com poder de paralisar a boca das larvas do mosquito da dengue, matando-as de fome e infecção. A nova solução contra a doença está sendo transferida pela Fiocruz para produção em escala comercial na empresa BR3 Agrobiotecnologia, de São Paulo, especializada em debelar pragas. O produto biológico nacional substituirá com vantagens o similar cubano hoje importado pelo Ministério da Saúde, que gasta no total R$ 19,4 milhões por ano em inseticidas para o controle do inseto transmissor da dengue.
"Projetada com base na realidade brasileira, a tecnologia apresenta efeito mais duradouro no ambiente e reduzirá o volume de inseticidas químicos", conta a pesquisadora Elizabeth Sanches. Também chegam ao mercado produtos para o controle biológico dos transmissores da malária e da filariose.
No caso da aids, a novidade é o emprego de algas marinhas da costa brasileira para o desenvolvimento de substâncias antivirais, úteis tanto na prevenção como no tratamento da doença. O produto, em fase de patenteamento, tem como diferencial a baixa toxicidade ao organismo humano, com desempenho equivalente a medicamentos já em uso no mercado. Em cooperação com o Saint George´s University of London, na Inglaterra, os pesquisadores iniciarão os testes clínicos, após aprovação já verificada em laboratório, absorvendo investimentos de R$ 2 milhões. "O novo medicamento poderá representar uma economia de 15% nos custos do governo com testes e tratamento de aids, que somam R$ 1 bilhão por ano", informa o pesquisador Luiz Roberto Castello Branco.
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